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A verdadeira educação financeira não é sobre investimentos

Foto: QuinceCreative/Pixabay

O mercado de investimentos nunca esteve tão aquecido no Brasil. 

As principais corretoras investiram uma verdadeira fortuna em educação de mercado, arrastando milhões de pessoas físicas para os mais variados modelos de investimentos, incluindo a Bolsa de Valores (B3).

Para colocar em perspectiva, o número de investidores ativos na B3 teve uma alta de 50% nos 12 meses entre maio de 2020 e 2021, exatamente no auge da pandemia e da crise econômica. E esse é apenas um dos modelos de investimentos que estão se popularizando graças ao intenso trabalho de divulgação e marketing das corretoras.

Para aqueles que acompanham conteúdo sobre o assunto, o crescimento dos canais e influenciadores focados em investimentos é facilmente perceptível. Já são tantos os produtores de conteúdo focados em educação financeira que nichos muito específicos já estão sendo formados. 

Desde crianças, grávidas ou influenciadores com foco em áreas profissionais mais específicas, como investimentos para médicos, por exemplo, quase ninguém escapa da associação crescente de que ter educação financeira é buscar aumentar os riscos em investimentos.

Nem mesmo os pobres escapam. Existe uma série de influenciadores focados em mostrar para quem está abaixo da classe média que eles também podem começar a investir com R$ 15 ou R$ 20 por mês.

Mas é preciso dar um passo para trás.

Num país de pessoas majoritariamente pobres, existem outras prioridades que deveriam receber o foco na hora de conversarmos sobre educação financeira. 

É claro que as corretoras vão injetar um gigantesco orçamento na produção de conteúdo e no desenvolvimento de influenciadores digitais. O foco em educar o mercado para se tornarem potenciais clientes passa bem distante do verdadeiro objetivo de uma suposta educação financeira. 

Para a maior parte das pessoas, o risco de investir em renda variável ou investimentos que comprometam a liquidez do recurso não apresenta nenhuma vantagem sólida, pelo contrário, desvia de necessidades reais e lições valiosas que de fato ajudariam a navegar pelos problemas econômicos que inevitavelmente estarão expostos.

Quando ouvem sobre juros compostos ou que é possível começar a investir com quantias muito pequenas, acabam sendo levados por um declive escorregadio, um argumento construído em cima de uma lógica extrema e quase impossível de se realizar.

Cenários que projetam estagiários investindo quantidades razoáveis de dinheiro por longos períodos de tempo, 30 anos, por exemplo, ignoram a realidade da maioria das pessoas. 

Num país onde crises econômicas explodem a cada 5 a 10 anos, o mais comum é que qualquer investimento realizado seja resgatado em menos de 2 anos mesmo sob grandes prejuízos. 

Qualquer investimento sem um bom horizonte de estabilidade financeira tem pouquíssimas chances de trazer um retorno sólido. A incerteza que cerca o cidadão comum é grande demais para sustentar essas projeções utopicamente otimistas.

Se pudéssemos organizar a educação financeira como se fosse uma pirâmide de maslow, que divide as necessidades humanas em 5 categorias, os investimentos em renda variável estariam bem distante da base, provavelmente ocupando o topo dessa pirâmide. 

A base da pirâmide poderia ser composta por duas camadas iniciais, a segunda seria a construção de uma reserva de emergência, um recurso financeiro para ser utilizado em situações que envolvam insegurança alimentar, problemas de saúde e sérios incidentes. 

É a rede de segurança para situações difíceis.

Abaixo dessa segunda camada, que é a reserva de emergência, vem o que considero mais importante para qualquer pessoa que saiu da zona de pobreza e começa a ser afetada pelos problemas que fazem uma verdadeira educação financeira necessária.

A base da educação financeira é entender os mecanismos que são massivamente utilizados para ampliar gastos e estimular o consumo.

Alguns estudos mostram que pobres costumam tomar melhores decisões financeiras do que ricos e a classe média, e parte dos problemas que encontramos nas finanças acontecem exatamente quando atravessamos essa linha da pobreza.

Quando um pobre precisa comprar um papel higiênico, ele sabe com clareza o quanto de dinheiro tem disponível e quantas coisas precisam ser pagas com esse dinheiro. Sua única opção é fazer a escolha financeiramente mais eficiente.

A escolha do produto com o menor preço absoluto é inevitável independente de todos os outros artifícios apresentados. Não importa se a outra marca é mais macia e cheirosa ou se comprar 15 leva 5 a mais. A única coisa que importa é fazer o custo imediato consumir a menor quantidade possível de recurso.

Optar pelo papel higiênico mais macio significa 4 tomates a menos, um pacote de macarrão ou um litro de leite que ficarão de fora. Quando o pobre gasta, não existe abstração vazia. Um custo a mais de um lado significa uma perda direta em outra necessidade igualmente importante.

No entanto, quando a condição financeira vai ficando mais folgada, e não precisa ser muito melhor, só o suficiente para sair da linha da necessidade, algumas abstrações passam a confundir nossas decisões. Ao acessar a classe média baixa, já é normal se distanciar da objetividade das necessidades imediatas e se perder em questões paralelas. 

É comum enxergar questões como conforto, qualidade, estética, status e puramente ego, que originalmente são ignoradas pela população mais pobre, e eu digo realmente pobre, interferindo diretamente em decisões econômicas. Isso não significa que estes elementos sejam necessariamente ruins, mas pela escassez do recurso principal, o dinheiro, são questões que não podem ser priorizadas quando você está abaixo da linha de pobreza.

É possível escrever um livro inteiro apenas sobre truques utilizados pelo marketing e pela publicidade para estimular o consumo e fazer clientes optarem por produtos com um preço mais elevado, mas três conceitos principais são responsáveis por fazer muita gente derrapar no controle das finanças.

Nós, como seres humanos, experienciamos uma boa quantidade de sofrimento quando sentimos que estamos perdendo algo de valor, e dinheiro, pensado como recurso, é um dos elementos de maior valor em nossa escala de importância.

Quando analisamos as relações de consumo, existe um reflexo que os economistas chamam de Dor do Pagamento, que todos nós sentimos quando trocamos dinheiro por algum produto. Quanto mais próximo do dinheiro em espécie, maior é o sofrimento que sentimos ao gastá-lo.

A estratégia utilizada pelas empresas para estimular compras impulsivas é cada vez mais distanciar o cliente da sensação de que está gastando dinheiro de verdade, removendo a dor do pagamento e permitindo decisões menos ponderadas, como no estudo popular identificando que o uso do cartão de crédito estimula o consumo de fast food e outros alimentos não saudáveis.

O plástico do cartão de crédito não desaparece da carteira, quando realizamos uma compra. A sensação de perda é muito menor do que ao entregar uma cédula inteira. 

Quanto mais distante estamos do dinheiro real, mais fácil é comprar sem pensar.

É como apostar num cassino. É muito mais doloroso colocar notas de 100 dólares numa mesa, do que empilhar fichas pretas e azuis num feltro verde. Toda psicologia explorada pelos cassinos para o cliente esquecer que está colocando milhares de dólares em jogo, hoje é utilizada para que consumidores nem sintam seu dinheiro indo embora.

Com o avanço das formas online de pagamento, muitas empresas aderiram ao modelo créditos internos, criando moedas fictícias ou créditos pré-abastecidos que são inseridos através do cartão, criando uma cadeia de alienação monetária que distância em várias camadas a sensação de que aquele número na tela é, no final das contas, dinheiro saindo da sua conta bancária.

Num mundo onde o dinheiro físico praticamente desapareceu, consultar e rastrear gastos, ativar notificações que reforcem que o uso do cartão gerou um gasto verdadeiro e preferir por pagamento à vista é uma obrigação quase diária para reduzir a distância entre o dinheiro e o ato de consumir.

Outra forma de estimular o consumo é criando mecanismos de ancoragem psicológica, apresentando preços mais altos ou nem praticados mais pelo mercado como comparativo para um novo preço supostamente mais baixo. 

Vamos supor que uma Televisão, quando foi lançada em 2019, custava 5 mil reais. O tempo passou e novos aparelhos com tecnologia mais moderna foram lançados, a televisão de 3 anos atrás agora custa 4 mil reais. 

Na hora de anunciar o produto, a loja vai fazer questão de escrever “de 5.000 por 3.999”, ancorando o cliente num preço muito maior do que a realidade atual e que gera a ideia de que está recebendo um grande desconto, mesmo que 4 mil reais seja o preço praticado em todas as outras lojas, não existindo nenhum desconto verdadeiro.

Esse impulso de que a oportunidade é boa o suficiente para deixar passar é frequentemente explorado.

Seja em supermercados ou grandes varejistas na internet, a construção de promoções que não são verdadeiras, apresentando preços inflados como comparativos para jogar com a impulsividade dos clientes é uma prática extremamente comum. Como essas condições se apresentam de forma bastante agressiva o cliente acaba perdendo qualquer disposição de ampliar sua pesquisa e entender qual o real preço praticado no mercado.

Esse efeito é muito mais evidente na Black Friday, que ficou conhecida no Brasil como “tudo pela metade do dobro”, ressaltando esse costume das lojas em aumentar o preço das mercadorias semanas antes para anunciá-los na data com um suposto desconto. 

No entanto, o mesmo jogo é repetido diariamente, mesmo com leves variações, mas sempre apresentando um valor maior que não condiz com a realidade para estimular a ilusão de uma grande oportunidade de compra.

Mas não é apenas a possibilidade de desconto que motiva compras gastos desnecessários. O chamado Efeito Veblen atua da forma diretamente oposta, estimulando a percepção de que um produto possui qualidade superior aos outros apenas por trazer um preço maior.

Quando falamos do consumo na classe média, existe um forte apelo na busca de produtos que não necessariamente apresentam alguma vantagem utilitária, mas que se destacam apenas por serem mais caros. 

Esses produtos costumam ser carregados com um certo status ou até mesmo o prazer pessoal de “poder se dar ao luxo”, mesmo que na prática o resultado durante o uso seja fundamentalmente o mesmo.

No entanto, as empresas sabem que no subconsciente dos consumidores o preço elevado cria uma associação de que o produto é obviamente melhor e com mais qualidade. Grandes marcas que são enquadradas no consumo de luxo fazem isso o tempo todo. No Brasil os preços da Apple, por exemplo, estão sempre muito acima da conversão direta e seus impostos, como fazem outras fabricantes, o preço praticado aqui é propositalmente mais elevado para explorar essa aura de desejo com uma suposta superioridade atrelada ao custo.

E pode até ser que a qualidade, em alguns casos, seja realmente maior, mas normalmente a projeção do preço não é refletida diretamente na relação custo-benefício.

Mas o efeito que é facilmente perceptível no consumo de luxo também está presente no cotidiano. Seja quando frequentamos o supermercado, comemos em restaurantes ou lanchonetes, cobrar um pouco mais que a concorrência confunde nossa percepção e nos influencia em pequenas decisões do dia a dia, criando uma direção onde, quando combinados, aumentamos bastante os nossos gastos sem sermos capazes de perceber.

Estes efeitos que listei são parte de um longo repertório que as empresas exploram para aumentar sua lucratividade final. Por mais que muitas vezes os produtos ajudem nossas vidas em diversos aspectos, precisamos reconhecer que, no fim, o objetivo de qualquer negócio é vender o máximo que conseguirem com a maior margem de lucro possível.

É por isso que quando falamos de educação financeira, antes mesmo de olhar para o horizonte da reserva de emergência ou dos investimentos, precisamos aprender a ser mais eficientes financeiramente. E nessa guerra onde empresas buscam pequenas brechas psicológicas para nos incentivar ao consumo exagerado e gastos mais elevados, a verdadeira educação financeira começa aprendendo a se esquivar dos truques do marketing.

Quando saímos da linha da pobreza, mas ainda não estamos exatamente bem de vida, é fundamental entender como a dinâmica do consumo afeta nossa percepção e nossos impulsos.

Nesse ponto, apenas quando conseguimos navegar melhor pela lógica de estímulos e somos capazes de identificar onde estamos realizando gastos ineficientes é que somos capazes de explorar as outras etapas da pirâmide de necessidades da educação financeira.

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