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Egressa de Cinema da UFSC é diretora assistente em obra candidata ao Oscar

Nina Kokpo é cineasta formada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e, recentemente, atuou como diretora assistente no filme A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, laureado em Cannes como melhor filme da principal mostra paralela e representante brasileiro a uma vaga no Oscar 2020.

Na noite da última quarta-feira, dia 27 de novembro, o público que assistiu à estreia do filme no Paradigma Cine Arte, em Florianópolis, pôde ainda participar de debate com Nina e a produtora, Mariana Coelho, também graduada em Cinema pela UFSC.

Confira abaixo a entrevista concedida ao setor de comunicação da universidade:

O filme é a primeira obra brasileira premiada na categoria principal da maior competição paralela em Cannes, a mostra ‘Um certo olhar’. O que isso representa ao país? 

Nina:  Ganhar esse prêmio é um reconhecimento muito importante, não só para a carreira do filme, mas para o cinema nacional. Somado a isso, tivemos o prêmio do júri a Bacurau e também contamos com uma diretora estreante na Quinzena dos Realizadores (Alice Furtado, diretora de Sem Seu Sangue). Isso traz um holofote para a produção de cinema no país, que é prolífera, consistente e inventiva. Nesse momento de sequentes ataques à cultura do país, jogar essa luz no nosso cinema, dentro do maior festival de cinema do mundo, é muito significativo e relevante.

O que mudou  desde a premiação em Cannes para a divulgação e distribuição do filme?

Nina: Nesse meio do caminho teve a escolha do Vida Invisível ser o indicado do Brasil para o Oscar, e isso muda bastante a carreira e a procura pelo filme. Traz um interesse muito grande internacionalmente. Também agora a indicação ao importante prêmio Spirit Awards. Tudo isso foi gerando uma grande curiosidade pelo filme e também a necessidade de fazer essa campanha para tentar a vaga no Oscar. Essa campanha significa você fazer várias exibições no Estados Unidos, vários debates com o Karim [Aïnouz, diretor do filme], para que o filme seja visto pelo maior número de votantes da academia.

O debate proposto no filme é bastante denso e é baseado no livro homônimo de Martha Batalha, cuja trama se inicia há cerca de meio século. Além das indiscutíveis marcas deixadas nas gerações da época, o quão atual é a vida da personagem Eurídice?

Nina: Eurídice é uma mulher impossibilitada de viver seus sonhos, de ser quem gostaria ser para além do papel de mãe, esposa e dona de casa.  Guida, a outra protagonista, é uma mãe solo, abandonada pela família – e o Brasil ainda é um dos países com o maior número de crianças sem o pai na certidão de nascimento. Ainda que tenhamos avanços notáveis na independência das mulheres, a maior parcela de nós segue destituída de seus desejos e aspirações, pela cultura patriarcal e pelo capitalismo. O filme pode remeter às vidas das nossas avós mas não deixa de ser um retrato atual sobre a invisibilidade da maior parte das mulheres desse país.

Em “A Vida Invisível…” você atuou como diretora assistente. Como foi realizar este trabalho com grandes nomes do cinema brasileiro e como você se inseriu na produção?

Nina: É uma função pouco usual no cinema brasileiro, ela fica hierarquicamente entre as funções de direção e assistência de direção. Diferente do assistente, que entra apenas na pré-produção, eu acompanhei todo o processo de desenvolvimento do projeto, todas as versões do roteiro, fiz diversas pesquisas para o filme e ,depois, segui da pré até a pós-produção. Acompanhei e compartilhei com Karim a maior parte das decisões artísticas do filme. Tive um foco especial no trabalho com o elenco, fiz junto do Karim todos os testes e depois a preparação dos atores e personagens.

Sobre como entrei na produção: eu fui coordenadora de desenvolvimento de projetos da RT Features durante 2014 e 2015. Uma das minhas funções era ler livros para pensar em possíveis adaptações para o cinema. Eu recebi o livro da Martha Batalha nessa época, ainda antes dele ser lançado comercialmente. Li em dois dias, fiquei fascinada pela trama e pelas personagens. Sugeri ao Rodrigo Teixeira [produtor] a aquisição dos direitos de adaptação, e conversamos sobre transformar a história num melodrama, apresentar ao Karim Aïnouz, chamar o Murilo Hauser [roteirista]. Depois saí da produtora, pois queria me aventurar em novas experiências e áreas, mas quando o roteiro começou a engrenar fui convidada pelo Karim e pelo Rodrigo para fazer parte do time de desenvolvimento. Comecei a estudar processos de direção de atores, e o Karim me chamou para fazer a preparação de elenco com ele e ser diretora assistente. Acompanhei então o processo desde a primeira ideia de adaptação até o último corte da montagem.

Como o público tem recebido uma obra pungente, de um tema atual e que já chega aos cinemas premiado internacionalmente?

Nina: Nas sessões que tenho acompanhado, as pessoas em geral se emocionam bastante. E enxergam ali histórias de mulheres e homens das suas famílias. É algo que todo mundo sabe, essa submissão dentro dos casamentos, essas vidas abafadas, apagadas. Mas quando você vê isso na tela de cinema é que você de fato olha pra isso, sabe? O cinema tem esse poder, de deslocar aquilo que é naturalizado no cotidiano para uma outra forma de olhar, e então percebê-la [essa forma] de fato. Me marcou muito a fala de um homem: “Eu sempre me perguntei por que a minha mãe viveu aquela prisão dentro do casamento e, hoje, com o filme, eu entendi: ela não teve escolha”.

E como você avalia a produção cinematográfica no país atualmente? Como é fazer cinema no Brasil?

Nina: A produção contemporânea de cinema no Brasil é enorme, é diversa, é inventiva, é de alta qualidade. Fazemos filmes para os mais diversos públicos, entretemos, experimentamos linguagens, gêneros, refletimos a sociedade em que vivemos para os próprios brasileiros e para o mundo. Somos hoje uma indústria com um número maior de trabalhadores do que o turismo, por exemplo. Com as grandes empresas de VOD (video on demand) estabelecendo-se no Brasil, também abrimos mais portas de produções a serem realizadas aqui. Ainda assim, mesmo com essa produção consistente e mundialmente reconhecida, mesmo com essa indústria de larga movimentação econômica, nós estamos ameaçados. Então, pra te responder: fazer cinema no Brasil é incrível e eu espero que continue assim. Há procura, há mercado, há excelentes profissionais e grandes histórias sendo contadas.

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